Onde foi parar a indisciplina?

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Passado o primeiro semestre de retorno às atividades presenciais na Escola, uma pergunta me intriga: onde foi parar a indisciplina?

Faz parte da rotina escolar lidar com a chamada indisciplina, quando alunos desafiam os comandos dos professores, as disputas entre crianças se estabelecem, os conflitos entre adolescentes se instalam; o enfrentamento de regras é próprio da fase de desenvolvimento e, não raro, crianças e adolescentes experimentam ultrapassar códigos combinados e limites estabelecidos. Faz parte! E é fato: a partir da indisciplina, a Escola passa a ter muitos conteúdos e competências para desenvolver com os alunos, individual e coletivamente!

Mas ocorre que, no primeiro semestre de 2021, nós não precisamos lidar com indisciplina na Escola...  Parece que o distanciamento da Escola presencial, a ausência da coletividade, a solidão experienciada nos dias de isolamento físico, tudo ressignificou o estar na Escola, fazendo com que alunos valorizassem tão mais o sentido da presença que não sobrou tempo para mais nada! De alguma maneira, a Escola precisou ser sorvida por inteiro pelas crianças, sedentas do convívio com outras crianças, carentes da diluição de si mesmas no coletivo. E, assim, no saciar das necessidades, regras de convívio, respeito à autoridade e consciência coletiva se fizeram presentes no conjunto de atitudes de cada um dos alunos como nunca antes a Escola havia visto....

A ausência da indisciplina, contudo, não significa que não tenhamos tido que atuar e mediar muitas situações relacionadas ao desenvolvimento socioemocional dos alunos. Pelo contrário! Se, por um lado, não houve indisciplina, por outro as crianças voltaram aos pátios da Escola com competências sóciorrelacionais fragilizadas, com vínculos afetivos desenlaçados, desacostumadas ao compartilhamento de espaços, tempos e atenção. Enferrujadas para o convívio em grupo, poderíamos arriscar! E foi necessário reeducá-las a uma existência na coletividade e para a retomada de agendas de compromisso mútuo de empatia, solidariedade e partilha que, quando experienciadas na Escola, contribuem para a existência cidadã e a atuação transformadora no mundo lá fora.

No Fórum Cultural, esse olhar sensível para o desenvolvimento socioemocional dos nossos alunos é parte estruturante da excelência do trabalho que buscamos realizar. Em cada sala de aula, desde o mini-maternal até a 3ª série do Ensino Médio, a presença fixa de auxiliares de turma nos permite nos relacionar e observar nossos alunos por todo o tempo no qual eles permanecem na escola: na entrada, observamos se o aluno chega sonolento, se começou a chegar atrasado, se já começa o dia agitado. No acompanhamento minucioso no lanche, as professoras são treinadas a observar se a criança está comendo pouco ou se houve alteração de apetite; quando trocam os professores especializados, que participam da rotina do aluno em somente uma parte do dia, são as professoras e auxiliares que permanecem com o grupo, como um membro deste, sempre com o olhar atento; a presença nos momentos de brincadeira livre e Lazer Inteligente, quando as relações sociais do grupo são observadas, implicâncias aparecem, conflitos se instalam. Sempre, a cada conflito, a cada alteração de rotina ou percepção sutil, os setores de coordenação pedagógica e psicologia atuam para contribuir com o crescimento e desenvolvimento emocional do aluno, com intervenções efetivas e educativas, nunca punitivas. 

Nessa linha de atuação, nesse primeiro semestre de 2021, mais do que nunca, a escuta empática e a disciplina positiva foram as ferramentas essenciais para o trabalho na Escola. Mais do que nunca, as competências do ser se desenvolveram junto às competências do saber como currículo, porque é preciso que se tenha um coração sossegado e um ambiente de confiança para se aprender tudo aquilo que a experiência escolar tem para ensinar! Quer na esfera acadêmica, emocional ou psíquica.

Vimos acolhendo alunos para o resgate da potência e da alegria de viver o espaço escolar. Vimos orientando as turmas na reconstrução dos pactos coletivos próprios da vida em sociedade. Vimos cuidando das pequenas inseguranças e angústias que apareceram a partir de cada conflito, de cada desentendimento, de cada impasse. Com muito diálogo e projetos transdisciplinares que objetivaram o exercício empático dos alunos, vimos, dia a dia, investindo no resgate e no fortalecimento de competências socioemocionais exigidas quando do pertencimento a um grupo: respeito, tolerância, direito ao contraditório, experiências de perdão, autorregulação, autocuidado e autogestão. 

O Fórum Cultural se compromete com a formação socioafetiva dos alunos na perspectiva da Educação Integral, na medida em que recebemos, diariamente, crianças repletas de sonhos, medos, fraquezas, altruísmo, ética, potência ou sofrimento. São pessoas em desenvolvimento, para quem a Escola deve ter contribuição estruturante na consolidação das habilidades do ser, do conviver e do contribuir. Assim, cada grito, cada briga, cada desentendimento ou inadequação é analisada à luz da história daquele sujeito, de cuja vida nos dedicamos a conhecer e nos orgulhamos de ajudar a cuidar. Cada indisciplina é acolhida sob a perspectiva da investigação, de modo a entendermos a razão do problema para juntos, aluno, escola e família, traçarmos os caminhos que os conduzam pelas melhores estradas da vida. Com muito afeto, com muito trabalho, edificando cada ser para o máximo da própria potência.  

Esse conteúdo é de autoria de Adriana Hassin, Diretora Executiva da Escola Fórum Cultural.